Bem perto do Fim

Nobres ultimas palavras de um sujeito que se despede da própria vida.
Essa é mais uma das Cartas da série "Eu sou"
Aproveite a leitura!!!

O tempo segue, imaculado e preciso, segundo por segundo, rumo a seu pseudônimo popular, o futuro. Já não tenho mais o tempo que passou, tenho muito pouco tempo agora. 
Olho pra trás e revivo gesto por gesto minha, já cumprida tarefa. A vida me parece bem cheia, transborda entre os dedos da minha imaginação. Cada palavra atirada ao vento, cada frase que caiu no chão e não germinou. Sigo contente, fiz o que deveria ter feito, atuei em meu papel principal como um ator iniciante com sede de palco. Vivi o sonho, sonhei a vida. 
Tudo se apresenta não de forma fragmentada, mas completa, detalhe por detalhe. Percebo a tênue linha que une o início ao fim, entrelaçando os acontecimentos. Daqui do fim, entendo somente agora que mesmo o que não fazia sentido na época, estava lá por algum motivo, pois desencadeou outras tantas coisas. 
Tudo que escrevi na longa folha em branco que me punham a frente, foi autenticamente humano, errei por onde deveria errar e acertei por sorte de saber escutar. Agradeço pela ventura de encontrar em meu caminho bons mestres que tiverem compaixão desse espírito errante e propuseram as mudanças necessárias. Algumas vezes, por arrogância, sequer dei-lhes ouvidos, hoje me arrependo de não ter seguido à risca os preciosos conselhos, ao menos, nem tudo desperdicei e o que acolhi no coração pratiquei com afinco. 
Nas oportunidades de ensinar, fiz com o coração em júbilo. Nas primeiras experiências com certa petulância e desdém, mas com a prática, me desapeguei cada vez mais do fruto das ações e, por fim, ensinei pelo mais ingênuo gosto de poder ensinar, talvez esse seja o grande consolo da idade de ouro, poder ser ouvido por já ter vivido muitas experiências.
Certa vez, um bom amigo mencionou que o universo ou DEUS, como alguns preferem, é uma criança ingênua que está se desenvolvendo e nós somos como neurônios de seu cérebro; Cada vez que fazemos boas relações, seja no trabalho, seja no amor, seja qualquer relação humana, criamos as sinapses necessárias para que essa criança possa evoluir e alcançar sua plenitude; Fico feliz de ter sido um bom neurônio, uma pequena engrenagem de um sistema que, mesmo nos nossos mais febris devaneios, não podemos compreender. 
A frieza do relógio não compete com a quentura do meu coração, que bate quatro por quatro sem lógica, mas com uma razão: aproximar-me do meu próprio fim. A morte já me espera na porta do quarto frio, sentada na ante sala, observando os meus entes queridos em sua agonia pela minha iminente partida. O cadavérico ser invisível é impassível e não se detém por qualquer sentimento humano, não gosta nem desgosta, apenas observa e espera o meu relógio biológico tocar o ultimo acorde, aquela nota sustenida, suspirada entre os dentes. 
Minha ultima fagulha de pensamento me remete ao meu primeiro instante de vida biológica, aquele tenro momento pós fecundação, e as duas pontas da vida se unem para que tudo acabe onde começou, repetindo o desgastado estribilho da vida humana... 


São Paulo, 29 de fevereiro de 2012, ele veio a óbito às dez horas e doze minutos...