Mais uma carta, pelo que percebi ao ler, um amigo se despede com pesar de seu querido companheiro. Apesar da tristeza de suas palavras, é nítida a esperança na vida que se segue.
Hoje estamos aqui reunidos para homenagear esse nosso querido, que aparentemente nos deixa. Um homem que viveu bem, em suma, viveu as coisas que se deve viver nessa vida.
Digo que nos deixa aparentemente, pois de fato nunca deixará de existir, ainda que, com nossos sentidos mais rústicos não possamos comprovar sua existência fora deste corpo que ai jaz, guardamos na memória os momentos de alegria.
As explicações dadas por tantas religiões e crendices diversas para vida extra corpórea, apesar de bem lá no fundo nos instigar a desconfiança, trazem algum conforto para nossos sentimentos. Contudo, a mais criativa das explicações não garante que a verdade é isso ou aquilo a respeito deste assunto, por isso, me conforto com a melhor explicação que tenho, aquela que não recebi de ninguém e que mora no fundo do meu ser e me garante que “algo” existe para muito além deste mundo de ilusão. Invoco que cada um aqui presente procure dentro de si mesmo esse conforto, no calor do seu lar, no seu macio leito de dormir, haverá de encontrar com alguma facilidade ou não esta resposta.
Ele deixa uma mulher apaixonada e filhos que lhe eram muito queridos, deixa também alguns bens. Mas seu maior patrimônio não acompanhará sua decida a sepultura, não definhará com o tempo, não deixará nunca de ser. Seu maior bem está aqui presente neste instante, entre nós. O maior bem de todo o homem é sua natureza divina, estar vivo, como assim chamamos, ofusca essa natureza primordial, libertar-se das amarras que nos são impostas no nascimento carnal vivifica a alma e traz liberdade ao espírito.
Aos seus entes queridos e a todos aqueles que o amam, não conformem-se com a distância, o que reclama essas lágrimas é esta veste carnal imersa em sentimentos que não pode controlar. Hoje é um dia alegre para nossos espíritos, pois vemos um irmão dar mais um passo rumo à glória, rumo a união com a criação, rumo ao que é desconhecido apenas para nossa razão, nossas almas jubilam, pois reconhecem este caminho e almejam, dia após dia, desprender-se como meu querido amigo.
Não posso chamar, de maneira alguma, as causas que ceifaram sua energia vital de fatalidade, se assim foi, alguma lei que ignoramos pode facilmente explicar a tragédia. Haverá tempos muito difíceis daqui para frente e nossas vozes interiores, nem sempre boas e belas, nos reclamarão essa fatalidade, e nos dirão o quanto este mundo e as leis que o regem são más, nos dirão que nada vale a pena, nos dirão ainda, que não existe razão para tudo isso. Neste momento, meus caros, com alguma força de vontade, lembrem-se daquelas manhãs calmas de domingo, a brisa fresca do alvorecer, a companhia muitas vezes alegre e festeira, outras apenas companhia, do nosso querido que hoje aí descansa; Suas palavras sempre doces, falando dos planos, medindo a vida, relembrando os momentos; Se não houvesse razão para tudo, não haveria porque lembrarmos com tanta nitidez estes momentos, se assim fazemos é para que possamos guardar no coração o essencial da vida e dar valor a tudo o que já tivemos e a cada dia reconstruir com o que temos essa estrada rumo ao que não conhecemos.
Descansa em paz, carregou até ontem meu querido amigo. A separação ilusória não será nunca maior que o amor que nos uniu…