Estudando o Pagode – Tom Zé

estudando_o_pagode_cd_large Bom, continuando a série começada semana passado com o Rei do Rock, nesta semana o disco a ser comentado não é de fácil digestão! Aborda um tema delicado em todos os sentidos: a mulher.

A obra é fruto de extensa pesquisa do próprio compositor sobre a segregação da mulher na sociedade moderna e em toda história da humanidade, qual seu papel e qual seu valor.

A forma que a obra aborda o assunto é bastante peculiar. Através de elaborada trama, faz uma espécie de enredo musical onde cada música se liga a próxima, perfazendo três ATOS distintos mas interligados, como em uma opereta. De um lado um coral de acusadores inicia contundente:

Mulher é o mal
Que Lúcifer bota fé.
Quando achou
Primeiro ovo do Cão
Ela chocou.

Cru, Belzebu
Do rabo fez um pirão
Foi o pão
Que o diabo amassou
E ela assou.

A resposta vem em seguida, a mulher, já “avexada” pede que pare de pegar no pé, deixando claro o quanto a discussão é boba. Os acusadores ainda reconhecem:

Eu sei que é 
Perder meu tempo
Agir assim;
É prolongar
Inimizade velha que dói.
Se a mulher
Deixar de
Confiar em mim
Eu vou parar
Onde não dá pra parar.

A discussão ainda toca num ponto delicioso:

Se você vem numa boa
Pode vir,
Também não tô à-toa. 
Eu te boto no colo,
Te dou pão e mingau.
Mas se você vem de cacete,
Pode vir
Que eu vou de pedra e pau.

Engraçado isso. A mulher tem essa particularidade de estar pronta pra guerra e, ao mesmo tempo, se o homem “vem na boa”, ela “bota no colo, dá pão e mingau”. A mulher está sempre pronta para ser um doce ou amargar feito o fel, se necessário.

Amansado pelo pão e mingau, o Estúpido Rapaz destrincha sua proposta de amor, reconhecendo seu jogo sujo e oferecendo uma trégua:

Ó garota,
Eu contra ti já inventei os deuses, a lei,
E pela carne do pecado te condenei
Tô convencido que essa guerra suja
Foi longe demais
E te ofereço um acordo de paz.
Assim será!

Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer
Porém na psique da mulher
Destruímos a mulher.

Assim Será…

Já contando com o êxito, aguarda a resposta.

Ora, então é assim. Bate o arrependimento, arrepende-se pede desculpa e pronto? Fácil não?

Bom, não é bem assim…

Assim será o quê, seu vagabundo?!

A mulher pede para pensar no assunto:

Quero pensar, meu bom rapaz,
Numa boa:
Não se dá um “sim” assim à-toa.
Quero pensar, meu bom rapaz

Aqui uma alfinetada, típica do Tom Zé, referindo-se a qual “Eternidade” a mulher sonha:

Felicidade sim, sonhar, sonhar
O eterno amor sonhar
Em termos ancestrais.
Não aquela eternidade
De Vinicius de Moraes.
Tristeza não, tristeza fim,
Tristeza bem longe de mim.

A faixa termina com um “talvez” mas pede antes:

Então tá, meu bom rapaz. Vou pensar no seu caso. Mas primeiro quero lhe mostrar algumas das crueldades que caíram sobre a mulher nestes séculos. Então fique aí escutando, vamos ver.

Mulher Navio Negreiro, demonstra a dor enraizada nesta relação, e que ninguém suspeita. Uma frase curiosa é a analogia entre Banca de Jornal e Açougue, ambos vendendo carne. Uma bovina, outra humana, referindo-se a nudez feminina estampada em plena praça.

A próxima faixa, outra alfinetada a Bossa Nova.

Bom, mas vou parar por aqui se não você não escuta o disco.

Ficou curioso, não perde tempo download em: http://tinyurl.com/362rkmw

Bom, antes de terminar o Post, gostaria apenas de comentar uma faixa deste disco que acho muito bela, tanto do ponto de vista musical quanto poético. Chama-se “Duas Opiniões”. Trata-se de uma canção feita em contra-ponto, ou seja são duas canções em uma. As vozes se sobrepõem formando uma deleite harmônico para bons ouvintes.

Já a poesia, são definitivamente duas opiniões opostas… e como sempre, uma alfinetada… acompanha… muito legal!

 

DUAS OPINIÕES - Tom Zé

Zélia Bamba:         Ridículo chorar,
                              Patético viver,
                              Paradoxal prazer,
                              Apologia do sofrer.

Mônica Sol-Musa:  Leal, fiel,
                              Ilusão
                              Não sabe quem não quer
                              Meu bem chora por

                              Soluço pra te ver chorar

                              Cantando venho soluçar.

Recitativo-fuxico de Maneco Tatit: Mas meninas, vocês souberam? Foi o pagode, foi o pagode. Foi o pagode, esse alcoviteiro sem vergonha, lascivo, que foi perverter, desviar, desatinar a cabeça de um rei da Inglaterra, que largou a coroa, largou tudo por causa desse pagode. Esse facilitador de namoro! E não respeita uma potência como a Inglaterra! Que sujeito subvertedor da ordem, do respeito, da lei! Até na Inglaterra...

Zélia Bamba:        Até na Inglaterra 
                             Ele destronou 
                             Um rei 
                             Que por sua paixão 
                             Abandonou o trono 
                             E a lei. 
                             Até Santo Augustinho 
                             Por amor 
                             Foi sua presa 
                             E Deus, para esperá-lo 
                             Assistiu 
                             muita proeza. 
                             No pagode, 
                             Decoro 
                             Não tem lugar; 
                             É useiro 
                             Vezeiro

Mônica Sol-Musa: Ôô 
                             Aquele 
                             Da sedução 
                             Ôô 
                             A corte 
                             Deixou de mão 
                             Ôô 
                             Viveu 
                             Pecado só 
                             Sentiu 
                             Em si 
                             Carne e pó 
                             É carne 
                             Senhor, tem dó 
                             De ter em si 
                             Pecado e pó

Zélia Bamba e Mônica Sol-Musa:  Em mal ma ma ma ma ma maltratar.

E, finalmente pra finalizar, entrevistas realizadas pela TRAMA sobre o disco, dá o Play:

Parte I
Parte II